segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Filósofos da Libertação Animal: Tom Regan



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Impulsionado pelos bons resultados alcançados por movimentos de emancipação civil na década de 1960 (a chamada “revolução dos direitos”), o tema “direitos animais” começou a ser discutido como movimento social no início da década seguinte por um grupo de filósofos da Universidade de Oxford, do qual faziam parte Peter Singer e o psicólogo Richard D. Ryder. Entretanto, a ideia geral que se fazia em torno do tema era bastante difusa. Não era, por exemplo, centrada na noção de valor intrínseco dos animais. Dessa forma, o movimento se assemelhava às reivindicações anteriores restritas à melhoria do bem-estar dos animais. Exemplo disso pode ser visto naDeclaração Universal dos Direitos Animais, proclamada pelo UNESCO em 1978 após ser aprovada resolução a esse respeito pela ONU. Um dos artigos dessa declaração de direitos é emblemático ao explicitar a possibilidade de uma violação de direito fundamental por motivo arbitrário: “Art. 9º No caso de o animal ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e morto sem que para ele resulte ansiedade ou dor.” Ora, uma vez que se reconhece que animais não-humanos têm direitos, seria inadmissível criá-los para servir de alimentação, como também não se espera que humanos sejam criados para esse fim.

A teoria sobre direitos animais como a conhecemos atualmente é decorrente dos trabalhos pioneiros de Tom Regan. Pode-se dizer que ele é o fundador do atual movimento de direitos animais. Tom Regan graduou-se no Thiel College (EUA), fez mestrado e doutorado na Universidade da Virgínia(EUA) e lecionou filosofia durante 34 anos na Universidade da Carolina do Norte (EUA), até se aposentar em 2001 como Professor Emérito. Atualmente esta universidade mantém o Arquivo Tom Regan de Direitos Animais – uma biblioteca com centenas de livros e artigos sobre direitos animais, legislação e bem estar animal – em reconhecimento aos trabalhos de Regan.
Regan já foi açougueiro, defensor da caça e considerava os animais como objetos. Foi a leitura de Gandhi, com seu apelo à não-violência, que mudou tudo isso. Primeiramente, Regan e sua esposa, Nancy Tirk, fizeram parte do movimento de oposição à Guerra do Vietnã. Mais tarde, em decorrência de seus trabalhos de filosofia sobre direitos humanos, a conclusão de que não-humanos também fazem parte de nossa comunidade moral foi um caminho natural.
Regan publicou diversos livros, mas apenas um deles está disponível em português: Jaulas Vazias(Ed. Lugano, 2006). O livro mais importante, e considerado o mais completo tratado filosófico sobre direitos animais, é o livro The Case for Animal Rights (University of California Press, 1983). Nesta obra, Regan começa mostrando que alguns animais, tais como os mamíferos com pelo menos um ano de idade, certamente são seres sencientes, possuem interesse em vida continuada e outros desejos que os tornam no mínimo pacientes morais (atualmente ele estende a senciência também às aves). Regan então critica o que ele chama de escola dos “deveres indiretos,” cujo representante é o filósofo alemão Immanuel Kant. Kant afirmava que os animais são apenas meios para um fim (os humanos), e que nós devemos ter compaixão aos não-humanos, não em reconhecimento aos interesses destes seres, mas porque de outra forma ficaríamos embrutecidos e isso poderia prejudicar outros humanos no futuro. Em outro capítulo, Regan critica duramente a escola utilitarista de “deveres diretos,” cujo representante é Peter Singer. Regan afirma que direitos animais, assim como direitos humanos, não podem ser defendidos segundo uma visão utilitarista consistente. Regan então apresenta a teoria de direitos com base numa extensão da ética de Kant, dessa vez considerando a noção de animais como sujeitos-de-uma-vida, isto é, seres sencientes com características cognitivas avançadas. Essa ética é deontológica, isto é, é uma ética na qual o conceito de dever é mais importante do que as consequências resultantes das ações. Ela se fundamenta nos chamados imperativos categóricos de Kant, tais como a lei fundamental: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal.” Esse é o princípio de uma teoria baseada em direitos, que afirma que um direito deve ser respeitado mesmo que a sua violação possa trazer um benefício a terceiros. Desse modo, utilizar um animal (humano ou não) em um procedimento de vivissecção será sempre imoral, mesmo que disso resulte a cura do câncer ou de outra doença grave. Ao contrário, na ética utilitarista, um interesse poderia ser sobreposto por outro, desde que o bem resultante fosse significativo.
As contribuições do trabalho de Regan também se aplicam a direitos humanos. Isso vale principalmente na resolução de conflitos de interesses quando as intensidades dos danos sofridos podem ser comparadas. É nesse ponto, porém, que Regan é frequentemente criticado por outros defensores dos animais (inclusive por Peter Singer, ao fazer a crítica do The Case). Regan toma o caso hipotético e excepcional de um navio que está afundando, e que dispõe de apenas um bote salva-vidas cujo espaço não é suficiente para todos. Neste navio há quatro humanos normais e um cachorro. O bote, entretanto, só possui quatro lugares. Regan afirma que o espaço no bote deve ser dado aos humanos primeiramente, e nunca ao cachorro, pois há mais possibilidades de satisfação na vida de um ser humano do que na de um cachorro. Em outras palavras, a vida de um humano vale mais do que a vida de um cachorro. Regan então extrapola seu pensamento, afirmando que o mesmo estaria correto ainda que um milhão de cachorros tivessem que ser atirados ao mar para salvar um único humano. O problema desse raciocínio está na sua generalidade, pois é plausível admitir casos em que a vida do cachorro traga mais possibilidades de satisfação do que uma vida humana. Os critérios de resolução do conflito também poderiam ser outros. Dessa forma, a resolução deveria ocorrer caso a caso, e não segundo uma regra geral. No prefácio da última edição de seu livro, Regan diz que os críticos dão uma importância exagerada a esse seu raciocínio, e muitas vezes tentam utilizá-lo para justificar usos de animais em casos não excepcionais, como o uso de não-humanos em experiências científicas que podem beneficiar os humanos (já que os humanos têm maiores possibilidades de satisfação em vida). Por outro lado, ele admite que seu modo de pensar possa estar incompleto ou errado nesse ponto.
Notas:
  • Em relação à Declaração Universal dos Direitos Animais, a organização inglesa Uncaged Campaignspretende propor à ONU uma nova carta composta de apenas 4 itens, mas que verdadeiramente considera animais não-humanos como sujeitos de direito. Em contrapartida, a norte-americana World Society for the Protection of Animals (WSPA) quer propor aDeclaração Universal do Bem Estar Animal, que não reconhece direitos mas busca melhorias no bem-estar dos animais.
  • A versão original do livro Jaulas Vazias (Empty Cages) foi publicada em 2004 pela editoraRowman & Littlefield.
  • Ao contrário de Gary Francione, que também se inspira no exemplo de Gandhi, Regan admite que não é um pacifista, e considera possibilidades em que o uso da violência pode ser justificado.
  • Fonte: Direitos dos Animais

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